Calcinhas Secretas
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO
Caminhando pelas
calçadas congestionadas por camelôs que pagam propinas aos vereadores e,
portanto, estão autorizados a montar suas barracas, ele hesitava diante da
quantidade de bancas vendendo calcinhas e sutiãs. Desde que a Tiazinha começara
a ter sucesso, as bancas exibiam modelos os mais diferentes, procurando excitar
as mulheres na conquista dos amados. Percebeu que parte dos compradores eram
homens e ficou na dúvida. Para eles mesmos ou para as mulheres? Parou diante de
uma nordestina de rosto marcado por sulcos profundos e escolheu uma calcinha
vermelha, uma preta aberta na frente e duas de renda. “Se levar meia dúzia,
ganha uma de brinde”, disse a vendedora, com os olhos iluminados pela
esperança. Como na feira, pensou ele. Quem compra quatro pastéis leva um de
brinde. Por toda parte, promoções para segurar freguês.
Em lugar de
calcinhas, pediu dois sutiãs e a vendedora mostrou-se agradecida. “Tomara que
façam sucesso, que ela goste e o senhor volte.” Ela goste! A vendedora não
podia, nem de longe, prever as intenções dele. Era uma idéia que não tinha
ocorrido de repente, ali, diante do mar colorido de peças íntimas. Foi almoçar
no Ponto Chic, tomou dois chopinhos, um antes do Bauru, outro depois, consultou
o relógio e seguiu para o cinema. Já havia uma fila, Med Gibson tem um fã-clube
no centro da cidade. A sala estava fresca. Escolheu uma fileira central,
espectadores vieram sentar-se perto, ele trocou de lugar. Foi mudando até
localizar-se em um canto deserto.
Vibrou com o Mel
Gibson distribuindo porradas e tiros. Decidiu abrir o pacote e, no escuro, não
soube qual das calcinhas estava sendo retirada. Não importava. Deixou a peça
pendurada no braço das poltronas, pensou melhor, apanhou um sutiã, jogou no
chão e mudou de lugar. Era mais completa a ação. Instalou-se num ponto
estratégico e ficou à espera. O filme terminou, as luzes acenderam-se, as
pessoas começaram a sair. Suspense. Será que ninguém veria as calcinhas? Uma
mulher bateu os olhos, virou-se para o companheiro, apontou. Os dois gargalharam:
“Aqui foi quente. Aqui, sim, passou uma máquina mortífera.” Sentaram-se,
espantados e curiosos, para saborear reações. Um senhor deu com a calcinha,
reprovou com um gesto de cabeça. Não demorou para que se formasse um grupo que
ria, comentava e imaginava o que se teria passado no escuro da sala. Alguém
descobriu o sutiã no chão, os murmúrios cresceram. O mistério aumentou.
Um policial surgiu
para ver o que acontecia. Chamou o lanterninha, um velho manco. O homem
contemplou as peças rendadas e ficou parado, sem decidir o que fazer. Não teve
coragem de pegar as peças. Sabe-se lá o que tinha acontecido. Disse: “O
faxineiro cuida disso.” O seu rosto mostrava assombro e alegria. Algo de
diferente acontecia na mesmice das sessões. Seu trabalho era quase inútil, ninguém
mais precisava de um orientador no escuro. Permanecia no posto pela amizade do
exibidor, com quem começaria trinta anos atrás. Sempre de lanterna na mão.
Devia ser o último de uma categoria em extinção. As condições de trabalho
tinham piorado tanto, que ele era obrigado a comprar do próprio bolso as pilhas
para a lanterna. O que fazia com alegria, uma boa luz era o seu orgulho.
O policial ficou
exasperado: “Vejam que imortalidades se passam num cinema. Se eu pegasse o
elemento! Chamem o gerente.” O que podia fazer o gerente? Suas atribuições não
eram no escuro da sala. Situação para o lanterninha: “Eu? Quer dizer que tenho
de passar a sessão inteira varrendo a sala com a lanterna? Vai ser uma bronca
só. Além do mais, gastaria dez pilhas por semana. Isso é com a policia, que
fica assistindo a filme de graça.” O policial irritou-se: “Isso não pode ficar
assim.” E o gerente: “O que vamos fazer?”
Calcinhas secretas II
A nova sessão começou, o gerente voltou à sua sala, o
lanterninha e o policial passaram vinte minutos rodando pelos corredores,
aproximando-se dos casais. Postavam-se diante deles, ostensivamente; o
lanterninha iluminava-os, tentando surpreendê-los. O que provocou protestou de
um homem, que se levantou, interpelando-os duramente. Com medo, o lanterninha
retirou-se e o policial pareceu desistir. O homem que tinha levado o pacote de
calcinhas esperou dez minutos, rondou à procura de outro lugar estratégico,
repetiu a operação, deixando a calcinha à vista. Mudou de lugar e outra vez
colocou pistas falsas. Aguardou.
No intervalo, as pessoas fizeram grupinhos diante das
calcinhas espalhadas e logo gerente, lanterninha, policial, faxineira e dois
funcionários do cinema correram, nervosos: “O que está acontecendo? Se fosse
uma sala de quinta, que exibisse pornôs, eu entenderia. Mas esse é o último
cinema do centro que conserva sua dignidade.” O gerente colocou os dedos no
nariz do policial: “Resolva o assunto. O senhor só assiste aos filmes numa boa,
come cachorro-quente de graça, dorme lá atrás em cada sessão.”
O policial riu: “Pensa que é meu chefe?" Deu as
costas e foi ao hall, encostou-se no balcão da antiga bombonnière, pediu um
cachorro-quente completo. A mulher reclamou: “Um só por dia, por favor."
Ele tinha vendido bombons e chocolates, balas e dropes, mas tivera de mandar de
ramo; escolheu sanduíches rápidos e baratos. “O que está acontecendo lá dentro?
O gerente ficou passado.” O policial riu: “O pessoal anda mandando brasa dentro
da sala.”
O homem que tinha levado as calcinhas contemplou,
deliciado, o alvoroço, desfrutou a perplexidade e imaginou a curiosidade de
cada um. Teriam assunto para os escritórios, os clientes, o jantar em casa.
Pena que não tivesse jornalista na platéia. Que boa idéia! Por que não
telefonar para alguns? Chamar o Merten, o Zanin Oricchio, o Ignácio de Araújo,
o Inimá Simões. O homem das calcinhas, diga-se como esclarecimento necessário,
adorava cinema, lia colunas, recortava críticas. Quem sabe o Inimá escrevesse
um livro: O erotismo nas salas?
No dia seguinte, o homem das calcinhas mudou de cinema e
refez a operação, com sucesso. Foi repetindo a artimanha, percebendo gerente
cada vez mais intrigados. Deliciados, remuniciava-se na banca da nordestina de
rosto marcado, tinha simpatizado com a mulher. Ela, no entanto, não entendia
por que aquele homem comprava tantas calcinhas e sutiãs. Seria um revendedor?
Ou eram para uso próprio? Que tipo de uso? Quem era esse homem? Um tarado?
Esgotados os cinemas do centro, ele foi para o shopping.
Os resultados foram melhores. No primeiro dia, deu a maior repercussão. Um pai
ia sentar-se com as filhas, percebeu a calcinha no chão. Chamou o gerente,
chamou todo mundo, fez escândalo, chamou o administrador do shopping, gritou
que ia processar, retirou-se empurrando as jovens que riam, excitadas. E o
homem das calcinhas repetiu a operação na sala 2, sem tanto estardalhaço, mas,
de qualquer maneira, provocando igual assombro. O que se notava era a decepção
das pessoas que gostariam de ter visto o acontecido. Numa segunda sessão, ele
observou que quase ninguém prestava atenção no filme, as pessoas ficavam
olhando em volta, mudavam de lugar, sentavam-se perto de casais, não importava
a idade. Quando, ao acender as luzes, encontravam as calcinhas e sutiãs, era um
murmúrio de frustração.
Percebeu que aquelas salas começavam a lotar, todo mundo
procurando resolver o mistério das calcinhas que surgiam no escuro. Só que, com
então, começou a espalhar calcinhas nos banheiros de restaurantes, ônibus,
metrô, portas de cursinhos, escadas de emergência dos prédios, elevadores, por
toda parte. E foi gerando curiosidade. Gastava seu salário e rejubilava-se
porque as rádios e televisões começaram a comentar, os jornais procuravam o
casal misterioso que transava por toda parte. Houve até mesa-redonda na TV com
a Silvia Poppovic discutindo com bom humor a moralidade vigente.
E ele coleciona recortes, cola em álbuns. Interrompe a
operação por um mês, retoma em local inesperado, o assunto volta à tona. E de
sua janela, num apartamento da Praça Roosevelt, ele contempla a cidade que
jamais vai decifrar o enigma. E considerando-se um privilegiado, dono de um
segredo que intriga a todos, nem sente a dor da solidão em que vive e já se
impregnou nele.
ANÁLISE CRÍTICA
Mylena Santos n°31
Calcinha Secreta, é uma crônica
digamos assim que me deixou curiosa , não gostei disso , achei super estranho
os Homens comprarem as Lingerie e desnecessário o Senhor compra-las e jogara no
chão do cinema. Dificultando o trabalho do Lanterninha .
Calcinha Secreta II
Não gostei , deu a entender que
o senhor que comprava as Lingeries só estava querendo chamar a atenção , e
ficar conhecido , mesmo ninguem sabendo quem ele era . As pessoas pensavam
muitas coisas sobre ele , isso para ele era bom . Mais desnecessário para a crônica,
um Homem comprar tantas Lingerie só para causar polemicas.
Graziela Oliveira nº 43
O conto Calcinhas secretas, fala sobre um homem que compra lingeries e
depois disso vai ao cinema e espalha algumas dessas peças, para poder ver a
reação das pessoas que estavam lá assistindo ao filme. É uma situação não muito
comum, até por que homens dificilmente compram lingeries. É até um conto
interessante, porém não faz muito sentido, ele comprar essas peças e depois ir
ao cinema, é um pouco confuso, não conseguimos saber o que a personagem
realmente quer.
A continuação do conto tem um desfecho um tanto intrigante, pois o
objetivo da personagem era apenas espalhar as lingeries e ver as reações das
pessoas, o que não faz muito sentido para um homem adulto ter este tipo de
comportamento. De tanto fazer isso, ele conseguiu chegar as tv’s e ninguém
nunca descobriu quem fazia aquilo, as pessoas queriam saber qual era o casal
que transava por todo lugar, mas mal sabiam eles que nada acontecia, apenas um
homem tentando causar polêmicas.
Mariana Santos n°28
A crônica
Calcinhas secretas, diz a respeito que homem queria provocar uma reação nas
pessoas, ele teve a ideia de comprar lingeries e espalhar pelo cinema, público
teve uma reação e se perguntaram para si mesmo “que casal está transando no
cinema”, e nunca descobriram que foi um homem que compro a lingeries e jogou
pelo cinema. Achei super interessante essa crônica porque hoje em dia homem não
compra lingeries e da parte do homem ele foi bastante ousado.
Rayane Silva n°32
Esse conto calcinhas secretas tem muito haver com os dias de hoje,porque
tem muitos homens fingindo ser o que nao é,o policial que ganho por aquilo que
ele nao esta fazendo,ou seja ele ganho pra esta protegendo a população ,esta de
olho no que esta acontecedno,só que na verdade ele esta preocupado com o seu
bem-estar.E o casal que tem relações dentro do cinema,isso é um ponto muito
negativo pois acontece nos dias de hoje dentro de uma sala de cinema ,então
aquilo que era pra ser uma coisa divertida,acaba sendo imoral,pois é um lugar
frequentado por familias ,criança de certa forma acaba destruindo uma moral .
O segundo conto esta tratando de um homem que por pura diversão sacaneia o
unico lugar onde se conserva a dignidade.O homem das calçinhas quer chama
atenção querendo levar o tal assunto ao jornalista,mostrado a verdadeira
realidade que acontecia dentro da sala de cinema.Ele esta mostrado que as salas
de cinema,nao estava servino somente para filmes,mais sim para os casais
praticar suas necessidade sexuais.Ele mostra que em toda parte que as pessoas
vão ou estão há uma atração sexual uma pela outra e naquele que ela estão elas
praticam sem se precupar com as opinião alheias,mas sim precupados .
Elom n°12
Eu fiquei com um enorme ponto de interrogação na cabeça
depois de ler essa crônica de Ignácio de Loyola Brandão. Pelo qual motivo eu
compraria várias calcinhas e sutiãs e depois jogaria nos corredores do cinema
para criar duvida e intriga? E isso realmente me intriga. Qual foi o motivo
desse rapaz fazer tudo isso? Tenho três hipóteses para isso. Primeira e mais
aparente: o cara quer ter seus quinze minutos de fama. Segunda: Ele queria ver
um flagra e mostrar que em cinemas tem mais pessoas fazendo sexo do que em um
local apropriado, ou Terceira: quer se divertir com a reação e repercussão dos
casos causados por ele mesmo.
Nessa segunda parte é que fica marcante a duvida. Por que
ele anda fazendo isso? Minha conclusão é querer mostrar que as pessoas fazem
sexo em tudo que é parte, e ainda se divertir com esse mistério todo. Isso
realmente acontece, não é mesmo? Creio que esse é o ponto principal, o autor
mostrar que isso acontece realmente, e nós não percebemos.